Muitas pessoas ainda se questionam se o uso drogas é crime no Brasil. A fim de encontrarmos a resposta para tal questão, precisamos verificar o que a Lei Antidrogas diz sobre o assunto.
O que diz a Lei 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes PENAS:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
[...]
Nota-se que dentre os verbos do tipo penal não se encontra o verbo USAR.
Ou seja, a norma só prevê punição para aquela pessoa que, para fins de consumo pessoal, adquira, guarde, tenha em depósito, transporte ou traga consigo drogas proscritas por lei, bem como aquela que semeie, cultive ou colha plantas destinadas ao preparo de pequenas quantidades de substância ilegal.
A norma anterior tampouco trazia o verbo USAR.
O que dizia a Lei Anterior:
A Lei 6.368/1976, em seu art. 16, asseverava que a conduta de “adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” seria sancionada com pena de “detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa”.
Verifica-se que tanto na Lei Anterior quanto na Lei 11.343/2006 a previsão de punição não é para o USO DE DROGAS, mas para a POSSE e/ou o PORTE DE DROGAS PARA USO PESSOAL.
Ou seja, o USO de drogas ilícitas, no Brasil, NÃO é crime atualmente, e tampouco era considerado crime na vigência da Lei Anterior. O que se pune é o fato da pessoa, para fins de uso pessoal, portar e/ou possuir droga ilegal.
Sobre as sanções aplicáveis:
Ambas as normas referem que aquela pessoa que for flagrada portando, ilegalmente, drogas para consumo pessoal será submetida a determinadas PENAS.
A partir de uma simples leitura, verifica-se que a Lei Anterior era mais gravosa, uma vez que apenava a pessoa flagrada portando drogas ilícitas para consumo pessoal com privação da liberdade e com multa.
A Lei 11.343/2006, por sua vez, não pune com a privação da liberdade, mas expressamente chama as sanções aplicáveis às pessoas que têm droga consigo para fins de consumo de PENAS, elencando-as: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; e III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Note-se que apesar que não serem penas privativas de liberdade são consideradas verdadeiras penas.
Sobre o assunto o STF, Supremo Tribunal Federal, já decidiu o seguinte:
Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização - A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado "Dos Crimes e das Penas". Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário. (RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (RE-430105) - INFO 456)
Portanto, a Lei 11.343/2006 não extirpou o crime de porte de drogas ilegais para consumo pessoal do ordenamento jurídico brasileiro, mas, por opção legislativa, adotaram-se penas restritivas de direitos, mais brandas e com viés educacional.
Com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização, nas palavras o STF.
O STJ, Superior Tribunal de Justiça, vem aplicando o mesmo entendimento: “Com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização” (Jurisprudência em Teses, Edição n. 45, Enunciado n. 1).
Sobre as sanções aplicáveis a adolescentes:
Necessário dizer que, quanto a adolescentes que portem drogas ilícitas para consumo pessoal o STJ tem entendimento firme no sentido de que: “Configura ofensa ao princípio da proteção integral a aplicação de medida de semiliberdade ao adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006” (Jurisprudência em Teses, Edição n. 123, Enunciado n. 10).
Ora, se o art. 28 da Lei nº 11.343/2006, ao punir a posse de entorpecentes para consumo próprio de pessoas ADULTAS, plenamente imputáveis, NÃO autoriza a privação da liberdade, prevendo TÃO SOMENTE a aplicação de penas restritivas de direitos, NÃO É POSSÍVEL QUE ADOLESCENTES, ABSOLUTAMENTE INIMPUTÁVEIS, sofram medida socioeducativa privativa de liberdade (semiliberdade ou internação).
Impor medida excepcional e mais gravosa de semiliberdade/internação pela prática de ato infracional análogo ao delito previsto no art. 28 da Lei Antidrogas que, se cometido por pessoa adulta, não autorizaria a privação da liberdade, seria violar o princípio da proteção integral.
Repercussão Geral – Tema 506:
Encontra-se pendente de julgamento junto ao STF o Recurso Extraordinário (RE 635.659), em sede de Repercussão Geral (Tema 506), no qual se discute à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.
Alguns Ministros já apresentaram seu voto no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da norma inserta no art. 28.
O ministro Gilmar Mendes, Relator, apresentou seu voto no sentido de que as sanções descritas no dispositivo passem a ter caráter exclusivamente administrativo, pois a punição criminal “estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, bem como gera uma punição desproporcional ao usuário, violando o direito à personalidade”.
Reação Parlamentar:
Em razão da tendência que se delineia no sentido de o STF reconhecer a inconstitucionalidade da norma inserta no art. 28, da Lei 11.343/2006, os Parlamentares já articulam um “contra-ataque político” ao eventual resultado da deliberação judicial (efeito backlash).
Por intermédio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2023) os parlamentares buscam colocar no texto da Constituição a previsão de criminalização da posse de qualquer quantidade de droga ilícita.
A alteração pretendida, já aprovada no Senado Federal, será no art. 5º, que, se aprovada a PEC, será acrescido do inciso LXXX, que contará com a seguinte redação: “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Ao prever um mandado de criminalização constitucional para as condutas de portar ou possuir entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a nova norma constitucional, uma vez promulgada, daria respaldo à validade do art. 28 da Lei nº 11.343, de 2006.
Nota-se, portanto, que mesmo com a eventual alteração da Constituição por força da PEC 45/2023, o USO de drogas ilícitas, no Brasil, permanecerá NÃO sendo crime. O que se pretende continuar punindo é o fato da pessoa, para fins de uso pessoal, portar e/ou possuir droga proscrita por lei.
A discussão será prolongada tendo em vista que o tema ainda depende da maturidade do Brasil para enfrentá-lo.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, lembrando que, por ora, o art. 28, da Lei 11.343/2006, permanece vigente, punindo com restrições de direitos, aquela pessoa que, para fins de consumo pessoal, adquira, guarde, tenha em depósito, transporte ou traga consigo drogas proscritas por lei, bem como aquela que semeie, cultive ou colha plantas destinadas ao preparo de pequenas quantidades de substância ilegal.